Para combater a exploração e lutar coletivamente por direitos e proteção social, trabalhadores que prestam serviços para plataformas como Uber, iFood e Rappi, entre outras, têm buscado alternativas como criar plataformas próprias, que garantem mais ganhos e menos ‘punições’, os famosos bloqueios de trabalhadores, ou se organizar em sindicatos.
As plataformas próprias podem resolver o problema imediato da categoria, que é o alto percentual repassado para os Apps por cada corrida, que corrói a renda e é injusto, uma exploração, reclamam os motoristas, com toda razão. No entanto, é a organização dos próprios trabalhadores que fará a diferença na conquista de melhores condições de trabalho e proteção social, seja para que tenham renda garantida quando sofrerem um acidente ou adoecerem e precisar ficar uns dias sem trabalhar, ou para terem direito a faltar porque vão casar ou ir a um velório de um parente de primeiro grau, por exemplo.
A organização, ressalta o advogado especialista em Direito do Trabalho, José Eymard Loguércio, do escritório LBS Advogados, deve começar pelo reconhecimento por parte dos próprios trabalhadores, que são uma categoria.
“É importante do ponto de vista de organização eles se reconhecerem como trabalhadores, porque existe uma relação de trabalho, não é uma relação de autônomo ou de microempreendedor com uma grande empresa”, diz o advogado da LBS, escritório que presta assessoria jurídica para CUT Nacional. Segundo Eymard, em países como França, Espanha e Estados Unidos já existe esse reconhecimento.
“O reconhecimento de que é uma relação de trabalho é um pressuposto de que deve haver uma organização sindical, enquanto categoria”, explica o advogado.
E cada vez tem menos força o discurso e conceito de que o trabalhador que presta serviços para plataformas é ‘dono do próprio negócio’, e por isso administram seu próprio tempo e seus rendimentos.
O chamado empreendedorismo, que nesses casos se traduz em ‘precarização do trabalho’ tem sido cada vez menos aceito. Prova disso é uma recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mostra um total de 7 em cada 10 brasileiros preferem ter um registro em carteira de trabalho, com proteção social e direitos a não ter nenhum vínculo formal.
Plataformas próprias
Algumas iniciativas voltadas à proteção dos ganhos dos trabalhadores têm sido exitosas. É o caso do App da Cidade, em Araraquara, interior de São Paulo, que já tem milhares de passageiros cadastrados. Inaugurado no fim de 2021, o aplicativo foi desenvolvido pela Cooperativa de Transporte de Araraquara (Coomappa), que surgiu a partir da ideia de cinco motoristas e hoje já tem mais de 400 condutores.
Com o App da Cidade, os motoristas podem ficar com até 95% dos ganhos gerados na corrida. “É uma iniciativa que valoriza os próprios trabalhadores. Feita por eles e para eles. Nesse projeto há, inclusive, a busca por melhorar e desenvolver mais ações em prol dos trabalhadores”, diz Eymard.
O advogado alerta, porém, que há aplicativos que se vendem como uma alternativa às plataformas tradicionais, mas são, na verdade, cooperativas geridas de forma a também explorar o trabalhador atraído pela promessa de um ganho um pouco maior. O Uber fica com 50% do ganho, as cooperativas descontam um pouco menos. Mas ambos são patrões que não garantem direitos nem proteção aos trabalhadores.
“Diferente da iniciativa de Araraquara e de outras cidades, infelizmente, há quem tenha más intenções em organizar cooperativas, com uma estratégia de oferecer um outro sistema tecnológico para viabilizar a prestação de serviços”, pontua o advogado.
Sindicatos e associações
Em todo o Brasil, muitos trabalhadores optaram por se organizar em associações e sindicatos justamente para lutar por melhores condições de trabalho e renda de forma coletiva, o que dá mais peso à luta. Para esses trabalhadores, é preciso garantir a proteção social pelos meios políticos e jurídicos.
Essas organizações atuam junto ao poder público cobrando a elaboração de leis que reconheçam o vínculo empregatício desses trabalhadores com as plataformas digitais.
Em Recife, o Sindicato dos Trabalhadores Entregadores, Empregados e Autônomos de Moto e Bicicleta por Aplicativo do Estado de Pernambuco (Seambape) é um exemplo de organização da categoria.
“A gente começou a luta em 2017 e foi ganhando corpo, se estruturando. Em 2018, nos tornamos uma associação e com o passar do tempo o cenário foi se tornando mais favorável para que nós constituíssemos de fato uma organização”, diz Rodrigo Lopes, presidente do sindicato.
Ele ressalta que os principais direitos dos trabalhadores hoje, como 13°, férias, FGTS, entre outros, na verdade, foram conquistas das lutas sindicais, não estão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e esse é um bom argumento para unir a categoria na luta por direitos.
Rodrigo cita ainda uma entrevista concedida ao Globo, em que o próprio iFood reconhece a importância da construção de “um ambiente regulatório que amplie a proteção social de entregadores e motoristas de aplicativos cujas dinâmicas de trabalho não se enquadram nas alternativas existentes”.
“Eles mesmos reconhecem que é preciso ter direitos e para isso tem que ter um sindicato, tem que ter organização e isso faz parte da nossa atuação, da nossa luta”, diz o sindicalista.
Rodrigo reforça ainda que esses trabalhadores têm cada vez mais se conscientizado de que o reconhecimento enquanto categoria é fundamental, seja o trabalho feito por bicicleta, moto ou carro.
Em Salvador, outro exemplo de organização é o Sindicato dos Motoristas Por Aplicativos (Sindmab), que está mobilizado para a criação da categoria de motoristas por aplicativo.
“Muitos dos motoristas se colocam como empresários. Ledo engano. A verdade é que a crise econômica empurrou muitos trabalhadores para essa atividade”, diz Eduardo França, diretor de Comunicação do sindicato.
Segundo o dirigente, “taxistas fizeram filhos doutores e motoristas de aplicativos são os doutores que se tornaram motoristas por causa da crise econômica”. E reforça que é necessária criação do sindicato da categoria porque o que regulamenta a atividade é a Lei 13.640/2018 “que privilegia apenas a plataforma e não traz nenhum benefício aos trabalhadores”.
“Precisa de critérios jurídicos para que o motorista tenha o direito do contraditório, o direito de defesa, para que ele tenha um amparo”, diz o dirigente sobre estabelecer a atividade como categoria.
França defende o Projeto de Lei 2061 de 2020, de autoria do deputado Vicentinho (PT-SP), em tramitação no Congresso Nacional, que regulamenta a profissão de motorista autônomo por aplicativos. “Muitos não querem ser CLT, querem ter autonomia, mas é preciso um mecanismo que garanta um respaldo jurídico para que se exerça a atividade enquanto profissão”, pontua o dirigente do Sindmab.
A necessidade de organização do segmento também é defendida por Abel Santos, vice-presidente da Associação de Trabalhadores por Aplicativos e Motociclistas do Distrito Federal e Entorno (Atan-DF).
“A gente tenta mostrar para os trabalhadores a necessidade de se organizar, além de atuar para o amparo desses trabalhadores. É um trabalho é precarizado”, diz.
Segundo ele, a associação atua junto ao poder público também para elaborar uma legislação que proteja o segmento. “Atuamos junto ao legislativo, o executivo, para trazer essas melhorias”.
Sobre inciativas que visam ‘concorrer’ com as grandes empresas, Abel reforça que a realidade dos trabalhadores, muitas vezes, é mais difícil do que depender apenas de uma plataforma, em especial em grandes centros.
“Por isso, tentamos ao máximo fazer a luta pelos direitos porque entendemos que também é difícil não depender das grandes empresas de aplicativos”.
A associação começou com entregadores, mas hoje reúne todos os trabalhadores que dependem de aplicativos para trabalhar no setor – motoboys, autônomos, entregadores e motoristas.